O WhatsApp anunciou que irá compartilhar informações dos seus usuários com o Instagram e com o Facebook. Como os conteúdos do mensageiro instantâneo são criptografados de ponta a ponta, o Facebook usufruirá principalmente dos metadados do WhatsApp, ou seja, dados sobre os dados da comunicação realizada no interior da plataforma. Assim, os números dos telefones de todos os usuários, a frequência com que se comunicam e interagem, os grupos que integram, a quantidade, a origem das mensagens que recebem, para quem enviam, entre outras informações, serão reunidas e tratadas com os milhares de dados que a rede social de Zuckerberg já possui de cada usuário.
A concentração de informações permitirá que o Facebook tenha maior poder de organizar públicos e amostras segmentadas para o marketing. A fonte de renda primordial do Facebook é a venda de espaços da atenção dos seus usuários para os anunciantes de suas redes de publicidade e mídia programática. Um dos seus objetivos primordiais é aumentar a efetividade da modulação de comportamentos que passa por enviar o anúncio certo na hora certa para quem poderá ser mais afetado por certa mensagem publicitária. A plataforma realiza o encurtamento da realidade para que seus usuários visualizem as opções ofertadas por quem impulsionou um determinado conteúdo. Com o agrupamento de dados das três empresas do grupo Facebook, ele também aumentará o poder de análise de seus sistemas algorítmicos, que necessitam de muitos dados para aprimorar suas habilidades ou técnicas de predição, ou seja, de tentar prever nossas necessidades, gostos e interesses.
Plataformas e Economia da Atenção
A economia da atenção foi dominada pelas plataformas. Essas corporações se colocam como mediadoras das interações online, sejam voltadas para o entretenimento, sejam voltadas para o trabalho. Durante a pandemia, as plataformas buscaram se tornar também indispensáveis para a Educação. Sua lógica é obter o máximo de dados pessoais de todas interações de uma atividade ou mercado. Assim, se colocam em condições de manipular tanto a oferta quanto a procura de informações, produtos e serviços.
O modelo de negócios das plataformas é baseado na coleta e tratamento de grande quantidade e variedade de dados. No mundo do trabalho as plataformas aprofundaram a precarização do trabalho. a concentração econômica em quem tem mais capacidade de oferecer interfaces gratuitas com grande velocidade de resposta computacional, o que exige uma gigantesca infraestrutura de armazenamento (data centers) e uma colossal força de processamento.
Grandes corporações de tecnologia colonizando a vida
As grandes corporações de tecnologia embaladas pelo neoliberalismo conduziram o desenvolvimento tecnológico para a completa dependência de dados, pessoais e maquínicos. Elas estão colonizando a vida e convertendo todos os seus fluxos de existência em dados. Suas principais tecnologias estão sendo orientadas para a dependência de dados. Dados são naturalizados e assim, amplia-se a alienação tecnológica, uma das expressões contemporâneas da alienação social. Todavia, dados para existir dependem de projetos de criação do que seria um dado e de como obtê-los. Dados não são obras da natureza, são criações da sociedade e de seus agentes.
O que as plataformas conseguem armazenando e analisando dados pessoais pode ser melhor compreendido observando o seus sucesso econômico. O faturamento (a receita ou o ganho bruto) de apenas dois grupos proprietários das principais plataformas, o Alphabet (dono do Google, Youtube, Waze, etc) e o Facebook (dono da rede social, do WhatsApp e Instagram, etc) atingiu em 2019 a fabulosa quantia de $ 232,5 bilhões de dólares. Ao compararmos esse montante com a economia de diversos países temos a dimensão do poder econômico das Big Techs, dificilmente atingidos por empresas em outros momentos históricos. Google somado ao Facebook teve uma entrada de recursos em 2019 equivalente a 52,2% do PIB da Argentina, 71,8% do PIB da Colômbia, 82,3% do PIB do Chile, 97,3% do PIB de Portugal, 2 vezes do PIB do Equador, 4 vezes o do Uruguai e 5 vezes o da Bolívia.
Poder comunicacional das plataformas
Preocupa igualmente o poder comunicacional dessas plataformas. Em 2019, segundo a consultoria Statista, o número de usuários do Facebook ultrapassou a casa dos 2,5 bilhões. O Instagram atingiu a marca do 1 bilhão e o Youtube superou 2 bilhões de usuários, com 1 bilhão de horas de vídeos vistos diariamente em todo o mundo. O buscador do Google realizava, em 2016, as solicitações de 59.141 pesquisa por segundo, ou seja, em 5,1 bilhões de consultas em um único dia. Imagine o poder de análise sobre as expectativas, os humores e temores das diversas populações do mundo que o Google possui. Nenhum Estado ou agência de inteligência jamais chegou próximo a esse tipo de capacidade analítica.
A questão que se coloca, portanto, é como Estados nacionais historicamente subordinados e economicamente fragilizados podem construir um ordenamento democrático autônomo diante dessas plataformas que os transformam em colônias de dados e territórios de extração de informação para a formulação de perfis que serão expostos e ofertados para o Capital operar a modulação dos afetos, desejos e comportamentos?
Deleuze ao escrever o brilhante, complexo e brevíssimo texto Post-Scriptum sobre as Sociedades de Controle foi clarividente ao afirmar que “o marketing é a agora o instrumento de controle social, e forma a raça impudente de nossos senhores”. É preciso discutir seriamente o papel desses novos Leviatãs para as democracias. Considero que essa fusão de poder econômico, poder comunicacional e poder de análise que foi obtido pelas plataformas fragiliza as democracias. Precisamos submeter essas Big Techs ao controle das sociedades democráticas. E logo.